Na aula 16 apresentamos o Manifesto da educação de 1932, como resultado do trabalho de intelectuais da educação convocados para mediar as disputas em torno da educação por meio do consenso entre católicos e liberais. Ate os dias atuais o documento tem sido apontado como extremante avançado para o período. Muitos ousam dizer que o mesmo serviu de base para a institucionalização da educação democrática dos nossos tempos, outros por sua vez dizem que muitos dos aspectos apontados pelo documento ainda não foram atendidos. Desse modo, a partir da leitura da aula 16 e do documento (em anexo) solicito que escola um dos elementos apontados abaixo e se posicione argumentando
Orientações: A participação nesse fórum implica apenas na leitura da aula indicada ( aula 16) e o documento em anexo. Portanto, não será permitido copia: da aula, de outros textos, de livros ou internet.
MOVIMENTO DE
RENOVAÇÃO EDUCACIONAL
À luz dessas verdades e sob a inspiração de novos ideais de educação, é
que se gerou, no Brasil, o movimento de reconstrução educacional, com que,
reagindo contra o empirismo dominante, pretendeu um grupo de educadores, nestes
últimos doze anos, transferir do terreno administrativo para os planos
político-sociais a solução dos problemas escolares. Não foram ataques injustos
que abalaram o prestígio das instituições antigas; foram essas instituições
criações artificiais ou deformadas pelo egoísmo e pela rotina, a que serviram
de abrigo, que tornaram inevitáveis os ataques contra elas. De fato, porque os
nossos métodos de educação haviam de continuar a ser tão prodigiosamente
rotineiros, enquanto no México, no Uruguai, na Argentina e no Chile, para só
falar na América espanhola, já se operavam transformações profundas no aparelho
educacional, reorganizado em novas bases e em ordem a finalidades lucidamente
descortinadas? Porque os nossos programas se haviam ainda de fixar nos quadros
de segregação social, em que os encerrou a república, há 43 anos, enquanto
nossos meios de locomoção e os processos de indústria centuplicaram de
eficácia, em pouco mais de um quartel de século? Porque a escola havia de
permanecer, entre nós, isolada do ambiente, como uma instituição enquistada no
meio social, sem meios de influir sobre ele, quando, por toda a parte, rompendo
a barreira das tradições, a ação educativa já desbordava a escola,
articulando-se com as outras instituições sociais, para estender o seu raio de
influência e de ação?
Embora, a princípio, sem diretrizes definidas, esse movimento francamente
renovador inaugurou uma série fecunda de combates de idéias, agitando o ambiente
para as primeiras reformas impelidas para urna nova direção. Multiplicaram-se
as associações e iniciativas escolares, em que esses debates testemunhavam a
curiosidade dos espíritos, pondo em circulação novas idéias e transmitindo
aspirações novas com um caloroso entusiasmo. Já se despertava a consciência de
que, para dominar a obra educacional, em toda a sua extensão, é preciso
possuir, em alto grau, o hábito de se prender, sobre bases sólidas e largas, a
um conjunto de idéias abstratas e de princípios gerais, com que possamos armar
um ângulo de observação, para vermos mais claro e mais longe e desvendarmos,
através da complexidade tremenda dos problemas sociais, horizontes mais vastos.
Os trabalhos científicos no ramo da educação já nos faziam sentir, em toda a
sua força reconstrutora, o axioma de que se pode ser tão científico no estudo e
na resolução dos problemas educativos, como nos da engenharia e das finanças.
Não tardaram a surgir, no Distrito Federal e em três ou quatro Estados as
reformas e, com elas, as realizações, com espírito científico, e inspiradas por
um ideal que, modelado à imagem da vida, já lhe refletia a complexidade. Contra
ou a favor, todo o mundo se agitou. Esse movimento é hoje uma idéia em marcha,
apoiando-se sobre duas forças que se completam: a força das idéias e a
irradiação dos fatos.
DIRETRIZES QUE SE ESCLARECEM
Mas, com essa campanha, de que tivemos a iniciativa e assumimos a
responsabilidade, e com a qual se incutira, por todas as formas, no magistério,
o espírito novo, o gosto da crítica e do debate e a consciência da necessidade
de um aperfeiçoamento constante, ainda não se podia considerar inteiramente
aberto o caminho às grandes reformas educacionais. É certo que, com a
efervescência intelectual que produziu no professorado, se abriu, de uma vez, a
escola a esses ares, a cujo oxigênio se forma a nova geração de educadores e se
vivificou o espírito nesse fecundo movimento renovador no campo da educação
pública, nos últimos anos. A maioria dos espíritos, tanto da velha como da nova
geração ainda se arrastam, porém, sem convicções, através de um labirinto de
idéias vagas, fora de seu alcance, e certamente, acima de sua experiência; e,
porque manejam palavras, com que já se familiarizaram, imaginam muitos que
possuem as idéias claras, o que lhes tira o desejo de adquiri-las... Era
preciso, pois, imprimir uma direção cada vez mais firme a esse movimento já
agora nacional, que arrastou consigo os educadores de mais destaque, e
levá-lo a seu ponto culminante com uma noção clara e definida de suas
aspirações e suas responsabilidades. Aos que tomaram posição na vanguarda da
campanha de renovação educacional, cabia o dever de formular, em documento
público, as bases e diretrizes do movimento que souberam provocar, definindo,
perante o público e o governo, a posição que conquistaram e vêm mantendo desde
o início das hostilidades contra a escola tradicional.
REFORMAS E A
REFORMA
Se não há país "onde a opinião se divida em maior número de cores,
e se não se encontra teoria que entre nós não tenha adeptos", segundo já
observou Alberto Torres, princípios e idéias não passam, entre nós, de
"bandeira de discussão, ornatos de polêmica ou simples meio de êxito
pessoal ou político". Ilustrados, as vezes, e eruditos, mas raramente
cultos, não assimilamos bastante as idéias para se tornarem um núcleo de
convicções ou um sistema de doutrina, capaz de nos impelir à ação em que
costumam desencadear-se aqueles "que pensaram sua vida e viveram seu
pensamento". A interpenetração profunda que já se estabeleceu, em esforços
constantes, entre as nossas idéias e convicções e a nossa vida de educadores,
em qualquer setor ou linha de ataque em que tivemos de desenvolver a nossa
atividade já denuncia, porém, a fidelidade e o vigor com que caminhamos para a
obra de reconstrução educacional, sem estadear a segurança de um triunfo fácil,
mas com a serena confiança na vitória definitiva de nossos ideais de educação.
Em lugar dessas reformas parciais, que se sucederam, na sua quase totalidade,
na estreiteza crônica de tentativas empíricas, o nosso programa concretiza uma
nova política educacional, que nos preparará, por etapas, a grande reforma, em
que palpitará, com o ritmo acelerado dos organismos novos, o músculo central da
estrutura política e social da nação.
Em cada uma das reformas anteriores, em que impressiona vivamente a falta de
uma visão global do problema educativo, a força inspiradora ou a energia
estimulante mudou apenas de forma, dando soluções diferentes aos problemas
particulares. Nenhuma antes desse movimento renovador penetrou o âmago da
questão, alterando os caracteres gerais e os traços salientes das reformas que
o precederam. Nós assistíamos à aurora de uma verdadeira renovação educacional,
quando a revolução estalou. Já tínhamos chegado então, na campanha escolar, ao
ponto decisivo e climatérico, ou se o quiserdes, à linha de divisão das águas.
Mas, a educação que, no final de contas, se resume logicamente numa reforma
social, não pode, ao menos em grande proporção, realizar-se senão pela ação
extensa e intensiva da escola sobre o indivíduo e deste sobre si mesmo nem
produzir-se, do ponto de vista das influências exteriores, senão por uma
evolução contínua, favorecida e estimulada por todas as forças organizadas de
cultura e de educação. As surpresas e os golpes de teatro são impotentes para
modificarem o estado psicológico e moral de um povo. É preciso, porém, atacar
essa obra, por um plano integral, para que ela não se arrisque um dia a ficar
no estado fragmentário, semelhante a essas muralhas pelágicas, inacabadas,
cujos blocos enormes, esparsos ao longe sobre o solo, testemunham gigantes que
os levantaram, e que a morte surpreendeu antes do cortamento de seus
esforços...
FINALIDADES DA
EDUCAÇÃO
Toda a educação varia sempre em função de uma "concepção da
vida", refletindo, em cada época, a filosofia predominante que é
determinada, a seu turno, pela estrutura da sociedade. E' evidente que as
diferentes camadas e grupos (classes) de uma sociedade dada terão
respectivamente opiniões diferentes sobre a "concepção do mundo", que
convém fazer adotar ao educando e sobre o que é necessário considerar como
"qualidade socialmente útil". O fim da educação não é, como bem
observou G. Davy, "desenvolver de maneira anárquica as tendências
dominantes do educando; se o mestre intervém para transformar, isto implica
nele a representação de um certo ideal à imagem do qual se esforça por modelar
os jovens espíritos". Esse ideal e aspiração dos adultos toma-se mesmo
mais fácil de apreender exatamente quando assistimos à sua transmissão pela
obra educacional, isto é, pelo trabalho a que a sociedade se entrega para
educar os seus filhos. A questão primordial das finalidades da educação gira,
pois, em torno de uma concepção da
vida, de um ideal, a que devem conformar-se os educandos, e que uns consideram
abstrato e absoluto, e outros, concreto e relativo, variável no tempo e no
espaço. Mas, o exame, num longo olhar para o passado, da evolução da educação
através das diferentes civilizações, nos ensina que o "conteúdo real desse
ideal" variou sempre de acordo com a estrutura e as tendências sociais da
época, extraindo a sua vitalidade, como a sua força inspiradora, da própria
natureza da realidade social.
Ora, se a educação está intimamente vinculada à filosofia de cada época, que
lhe define o caráter, rasgando sempre novas perspectivas ao pensamento
pedagógico, a educação nova não pode deixar de ser uma reação categórica,
intencional e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional,
artificial e verbalista, montada para uma concepção vencida. Desprendendo-se
dos interesses de classes, a que ela tem servido, a educação perde o
"sentido aristológico", para usar a expressão de Ernesto Nelson,
deixa de constituir um privilégio determinado pela condição econômica e social
do indivíduo, para assumir um "caráter biológico", com que ela se
organiza para a coletividade em geral, reconhecendo a todo o indivíduo o
direito a ser educado até onde o permitam as suas aptidões naturais,
independente de razões de ordem econômica e social. A educação nova, alargando
a sua finalidade para além dos limites das classes, assume, com uma feição mais
humana, a sua verdadeira função social, preparando-se para formar "a
hierarquia democrática" pela "hierarquia das capacidades",
recrutadas em todos os grupos sociais, a que se abrem as mesmas oportunidades
de educação. Ela tem, por objeto, organizar e desenvolver os meios de ação
durável com o fim de "dirigir o desenvolvimento natural e integral do ser
humano em cada uma das etapas de seu crescimento", de acordo com uma certa
concepção do mundo.
A diversidade de conceitos da vida provém, em parte, das diferenças de classes
e, em parte, da variedade de conteúdo na noção de "qualidade socialmente
útil", conforme o ângulo visual de cada uma das classes ou grupos sociais.
A educação nova que, certamente pragmática, se propõe ao fim de servir não aos
interesses de classes, mas aos interesses do indivíduo, e que se funda sobre o
princípio da vinculação da escola com o meio social, tem o seu ideal
condicionado pela vida social atual, mas profundamente humano, de
solidariedade, de serviço social e cooperação. A escola tradicional, instalada
para uma concepção burguesa, vinha mantendo o indivíduo na sua autonomia
isolada e estéril, resultante da doutrina do individualismo libertário, que
teve aliás o seu papel na formação das democracias e sem cujo assalto não se
teriam quebrado os quadros rígidos da vida social. A escola socializada,
reconstituída sobre a base da atividade e da produção, em que se considera o
trabalho como a melhor maneira de estudar a realidade em geral (aquisição ativa
da cultura) e a melhor maneira de estudar o trabalho em si mesmo, como
fundamento da sociedade humana, se organizou para remontar a corrente e
restabelecer, entre os homens, o espírito de disciplina, solidariedade e
cooperação, por uma profunda obra social que ultrapassa largamente o quadro
estreito dos interesses de classes.
VALORES MUTÁVEIS E
VALORES PERMANENTES
Mas, por menos que pareça, nessa concepção educacional, cujo embrião já
se disse ter-se gerado no seio das usinas e de que se impregnam a carne e o
sangue de tudo que seja objeto da ação educativa, não se rompeu nem está a
pique de romper-se o equilíbrio entre os valores mutáveis e os valores
permanentes da vida humana. Onde, ao contrário, se assegurará melhor esse
equilíbrio é no novo sistema de educação, que, longe de se propor a fins
particulares de determinados grupos sociais, às tendências ou preocupações de
classes, os subordina aos fins fundamentais e gerais que assinala a natureza
nas suas funções biológicas. É certo que é preciso fazer homens, antes de fazer
instrumentos de produção. Mas, o trabalho que foi sempre a maior escola de
formação da personalidade moral, não é apenas o método que realiza o acréscimo
da produção social, é o único método susceptível de fazer homens cultivados e
úteis sob todos os aspectos. O trabalho, a solidariedade social e a cooperação,
em que repousa a ampla utilidade das experiências; a consciência social que nos
leva a compreender as necessidades do indivíduo através das da comunidade, e o
espírito de justiça, de renúncia e de disciplina, não são, aliás, grandes
"valores permanentes" que elevam a alma, enobrecem o coração e
fortificam a vontade,
dando expressão e valor à vida humana? Um vício das escolas espiritualistas, já
o ponderou Jules Simon, é o "desdém pela multidão". Quer-se
raciocinar entre si e refletir entre si. Evita de experimentar a sorte de todas
as aristocracias que se estiolam no isolamento. Se se quer servir à humanidade,
é preciso estar em comunhão com ela...
Certo, a doutrina de educação, que se apoia no respeito da personalidade
humana, considerada não mais como meio, mas como fim em si mesmo, não poderia
ser acusada de tentar, com a escola do trabalho, fazer do homem uma máquina, um
instrumento exclusivamente apropriado a ganhar o salário e a produzir um
resultado material num tempo dado. "A alma tem uma potência de milhões de
cavalos, que levanta mais peso do que o vapor. Se todas as verdades matemáticas
se perdessem, escreveu Lamartine, defendendo a causa da educação integral, o
mundo industrial, o mundo material, sofreria sem duvida um detrimento imenso e
um dano irreparável; mas, se o homem perdesse uma só das suas verdades morais,
seria o próprio homem, seria a humanidade inteira que pereceria". Mas, a
escola socializada não se organizou como um meio essencialmente social senão
para transferir do plano da abstração ao da vida escolar em todas as suas
manifestações, vivendo-as intensamente, essas virtudes e verdades morais, que
contribuem para harmonizar os interesses individuais e os interesses coletivos.
"Nós não somos antes homens e depois seres sociais, lembra-nos a voz
insuspeita de Paul Bureau; somos seres sociais, por isto mesmo que somos
homens, e a verdade está antes em que não há ato, pensamento, desejo, atitude,
resolução, que tenham em nós sós seu princípio e seu termo e que realizem em
nós somente a totalidade de seus efeitos".
O ESTADO EM FACE DA
EDUCAÇÃO
a) A educação, uma função essencialmente pública
Mas, do direito de cada indivíduo à sua educação integral, decorre logicamente
para o Estado que o reconhece e o proclama, o dever de considerar a educação,
na variedade de seus graus e manifestações, como uma função social e
eminentemente pública, que ele é chamado a realizar, com a cooperação de todas
as instituições sociais. A educação que é uma das funções de que a família se
vem despojando em proveito da sociedade política, rompeu os quadros do
comunismo familiar e dos grupos específicos (instituições privadas), para se
incorporar definitivamente entre as funções essenciais e primordiais do Estado.
Esta restrição progressiva das atribuições da família, - que também deixou de
ser "um centro de produção" para ser apenas um "centro de
consumo", em face da nova concorrência dos grupos profissionais, nascidos
precisamente em vista da proteção de interesses especializados", -
fazendo-a perder constantemente em extensão, não lhe tirou a "função
específica", dentro do "foco interior", embora cada vez mais
estreito, em que ela se confinou. Ela é ainda o "quadro natural que
sustenta socialmente o indivíduo, como o meio moral em que se disciplinam as
tendências, onde nascem, começam a desenvolver-se e continuam a entreter-se as
suas aspirações para o ideal". Por isto, o Estado, longe de prescindir da
família, deve assentar o trabalho da educação no apoio que ela dá à escola e na
colaboração efetiva entre pais e professores, entre os quais, nessa obra
profundamente social, tem o dever de restabelecer a confiança e estreitar as
relações, associando e pondo a serviço da obra comum essas duas forças sociais
- a família e a escola, que operavam de todo indiferentes, senão em direções
diversas e ás vezes opostas.
b) A questão da escola única
Assentado o princípio do direito biológico de cada indivíduo à sua educação
integral, cabe evidentemente ao Estado a organização dos meios de o tornar
efetivo, por um plano geral de educação, de estrutura orgânica, que torne a
escola acessível, em todos os seus graus, aos cidadãos a quem a estrutura
social do país mantém em condições de inferioridade econômica para obter o
máximo de desenvolvimento de acordo com as suas aptidões vitais. Chega-se, por
esta forma, ao princípio da escola para todos, "escola comum ou
única", que, tomado a rigor, só não ficará na contingência de sofrer
quaisquer restrições, em países em que as reformas pedagógicas estão
intimamente ligadas com a reconstrução fundamental das relações sociais. Em
nosso regime político, o Estado não poderá, de certo,
impedir que, graças à organização de escolas privadas de tipos diferentes, as
classes mais privilegiadas assegurem a seus filhos uma educação de classe
determinada; mas está no dever indeclinável de não admitir, dentro do sistema
escolar do Estado, quaisquer classes ou escolas, a que só tenha acesso uma
minoria, por um privilegio exclusivamente econômico. Afastada a idéia do
monopólio da educação pelo Estado num país, em que o Estado, pela sua situação
financeira não está ainda em condições de assumir a sua responsabilidade
exclusiva, e em que, portanto, se torna necessário estimular, sob sua
vigilância as instituições privadas idôneas, a "escola única" se
entenderá, entre nós, não como "uma conscrição precoce", arrolando,
da escola infantil à universidade, todos os brasileiros, e submetendo-os
durante o maior tempo possível a uma formação idêntica, para ramificações
posteriores em vista de destinos diversos, mas antes como a escola oficial,
única, em que todas as crianças, de 7 a 15, todas ao menos que, nessa idade,
sejam confiadas pelos pais à escola pública, tenham uma educação comum, igual
para todos.
c) A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação
A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação são outros tantos
princípios em que assenta a escola unificada e que decorrem tanto da
subordinação à finalidade biológica da educação de todos os fins particulares e
parciais (de classes, grupos ou crenças), como do reconhecimento do direito biológico
que cada ser humano tem à educação. A laicidade, que coloca o ambiente escolar
acima de crenças e disputas religiosas, alheio a todo o dogmatismo sectário,
subtrai o educando, respeitando-lhe a integridade da personalidade em formação,
à pressão perturbadora da escola quando utilizada como instrumento de
propaganda de seitas e doutrinas. A gratuidade extensiva a todas as
instituições oficiais de educação é um princípio igualitário que torna a
educação, em qualquer de seus graus, acessível não a uma minoria, por um
privilégio econômico, mas a todos os cidadãos que tenham vontade e estejam em
condições de recebê-la. Aliás o Estado não pode tornar o ensino obrigatório,
sem torná-lo gratuito. A obrigatoriedade que, por falta de escolas, ainda não
passou do papel, nem em relação ao ensino primário, e se deve estender
progressivamente até uma idade conciliável com o trabalho produtor, isto é, até
aos 18 anos, é mais necessária ainda "na sociedade moderna em que o
industrialismo e o desejo de exploração humana sacrificam e violentam a criança
e o jovem", cuja educação é freqüentemente impedida ou mutilada pela
ignorância dos pais ou responsáveis e pelas contingências econômicas. A escola
unificada não permite ainda, entre alunos de um e outro sexo outras separações
que não sejam as que aconselham as suas aptidões psicológicas e profissionais,
estabelecendo em todas as instituições "a educação em comum" ou
coeducação, que, pondo-os no mesmo pé de igualdade e envolvendo todo o processo
educacional, torna mais econômica a organização da obra escolar e mais fácil a
sua graduação.
A FUNÇÃO
EDUCACIONAL
a) A unidade da função educacional
A consciência desses princípios fundamentais da laicidade, gratuidade e
obrigatoriedade, consagrados na legislação universal, já penetrou profundamente
os espíritos, como condições essenciais à organização de um regime escolar,
lançado, em harmonia com os direitos do indivíduo, sobre as bases da unificação
do ensino, com todas as suas conseqüências. De fato, se a educação se propõe, antes
de tudo, a desenvolver ao máximo a capacidade vital do ser humano, deve ser
considerada "uma só" a função educacional, cujos diferentes graus
estão destinados a servir às diferentes fases de seu crescimento, "que são
partes orgânicas de um todo que biologicamente deve ser levado à sua completa
formação". Nenhum outro princípio poderia oferecer ao panorama das
instituições escolares perspectivas mais largas, mais salutares e mais fecundas
em conseqüências do que esse que decorre logicamente da finalidade biológica da
educação. A seleção dos alunos nas suas aptidões naturais, a supressão de
instituições criadoras de diferenças sobre base econômica, a incorporação dos
estudos do magistério à universidade, a equiparação de mestres e professores em
remuneração e trabalho, a correlação e a
continuidade do ensino em todos os seus graus e a reação contra tudo que lhe
quebra a coerência interna e a unidade vital, constituem o programa de uma
política educacional, fundada sobre a aplicação do princípio unificador que
modifica profundamente a estrutura intima e a organização dos elementos
constitutivos do ensino e dos sistemas escolares. b) A autonomia da função
educacional
Mas, subordinada a educação pública a interesses transitórios, caprichos
pessoais ou apetites de partidos, será impossível ao Estado realizar a imensa
tarefa que se propõe da formação integral das novas gerações. Não há sistema
escolar cuja unidade e eficácia não estejam constantemente ameaçadas, senão
reduzidas e anuladas, quando o Estado não o soube ou não o quis acautelar
contra o assalto de poderes estranhos, capazes de impor à educação fins
inteiramente contrários aos fins gerais que assinala a natureza em suas funções
biológicas. Toda a impotência manifesta do sistema escolar atual e a insuficiência
das soluções dadas às questões de caráter educativo não provam senão o desastre
irreparável que resulta, para a educação pública, de influencias e intervenções
estranhas que conseguiram sujeita-la a seus ideais secundários e interesses
subalternos. Dai decorre a necessidade de uma ampla autonomia técnica,
administrativa e econômica, com que os técnicos e educadores, que têm a
responsabilidade e devem ter, por isto, a direção e administração da função
educacional, tenham assegurados os meios materiais para poderem realizá-la.
Esses meios, porém, não podem reduzir-se às verbas que, nos orçamentos, são
consignadas a esse serviço público e, por isto, sujeitas às crises dos erários
do Estado ou às oscilações" do interesse dos governos pela educação. A autonomia
econômica não se poderá realizar, a não ser pela instituição de um "fundo
especial ou escolar", que, constituído de patrimônios, impostos e rendas
próprias, seja administrado e aplicado exclusivamente no desenvolvimento da
obra educacional, pelos próprios órgãos do ensino, incumbidos de sua direção.
c) A descentralização
A organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios do
Estado, no espírito da verdadeira comunidade popular e no cuidado da unidade
nacional, não implica um centralismo estéril e odioso, ao qual se opõem as
condições geográficas do país e a necessidade de adaptação crescente da escola
aos interesses e às exigências regionais. Unidade não significa uniformidade. A
unidade pressupõe multiplicidade. Por menos que pareça, à primeira vista, não
é, pois, na centralização, mas na aplicação da doutrina federativa e
descentralizadora, que teremos de buscar o meio de levar a cabo, em toda a
República, uma obra metódica e coordenada, de acordo com um plano comum, de
completa eficiência, tanto em intensidade como em extensão. À União, na
capital, e aos estados, nos seus respectivos territórios, é que deve competir a
educação em todos os graus, dentro dos princípios gerais fixados na nova
constituição, que deve conter, com a definição de atribuições e deveres, os
fundamentos da educação nacional. Ao governo central, pelo Ministério da
Educação, caberá vigiar sobre a obediência a esses princípios, fazendo executar
as orientações e os rumos gerais da função educacional, estabelecidos na carta
constitucional e em leis ordinárias, socorrendo onde haja deficiência de meios,
facilitando o intercâmbio pedagógico e cultural dos Estados e intensificando
por todas as formas as suas relações espirituais. A unidade educativa, - essa
obra imensa que a União terá de realizar sob pena de perecer como
nacionalidade, se manifestará então como uma força viva, um espírito comum, um
estado de ânimo nacional, nesse regime livre de intercâmbio, solidariedade e
cooperação que, levando os Estados a evitar todo desperdício nas suas despesas
escolares afim de produzir os maiores resultados com as menores despesas,
abrirá margem a uma sucessão ininterrupta de esforços fecundos em criações e
iniciativas.
O PROCESSO
EDUCATIVO
O conceito e os fundamentos da educação nova
O desenvolvimento das ciências lançou as bases das doutrinas da nova educação,
ajustando à finalidade fundamental e aos ideais que ela deve prosseguir os
processos apropriados para realizá-los. A extensão e a riqueza que atualmente
alcança por toda a
parte o estudo científico e experimental da educação, a libertaram do
empirismo, dando-lhe um caráter e um espírito nitidamente científico e
organizando, em corpo de doutrina, numa série fecunda de pesquisas e
experiências, os princípios da educação nova, pressentidos e às vezes
formulados em rasgos de síntese, pela intuição luminosa de seus precursores. A
nova doutrina, que não considera a função educacional como uma função de
superposição ou de acréscimo, segundo a qual o educando é "modelado exteriormente"
(escola tradicional), mas uma função complexa de ações e reações em que o
espírito cresce de "dentro para fora", substitui o mecanismo pela
vida (atividade funcional) e transfere para a criança e para o respeito de sua
personalidade o eixo da escola e o centro de gravidade do problema da educação.
Considerando os processos mentais, como "funções vitais" e não como
"processos em si mesmos", ela os subordina à vida, como meio de
utilizá-la e de satisfazer as suas múltiplas necessidades materiais e
espirituais. A escola, vista desse ângulo novo que nos dá o conceito funcional
da educação, deve oferecer à criança um meio vivo e natural, "favorável ao
intercâmbio de reações e experiências", em que ela, vivendo a sua vida
própria, generosa e bela de criança, seja levada "ao trabalho e à ação por
meios naturais que a vida suscita quando o trabalho e a ação convém aos seus
interesses e às suas necessidades".
Nessa nova concepção da escola, que é uma reação contra as tendências
exclusivamente passivas, intelectualistas e verbalistas da escola tradicional,
a atividade que está na base de todos os seus trabalhos, é a atividade
espontânea, alegre e fecunda, dirigida à satisfação das necessidades do próprio
indivíduo. Na verdadeira educação funcional deve estar, pois, sempre presente,
como elemento essencial e inerente à sua própria natureza, o problema não só da
correspondência entre os graus do ensino e as etapas da evolução intelectual
fixadas sobre a base dos interesses, como também da adaptação da atividade
educativa às necessidades psicobiológicas do momento. O que distingue da escola
tradicional a escola nova, não é, de fato, a predominância dos trabalhos de
base manual e corporal, mas a presença, em todas as suas atividades, do fator
psicobiológico do interesse, que é a primeira condição de uma atividade
espontânea e o estímulo constante ao educando (criança, adolescente ou jovem) a
buscar todos os recursos ao seu alcance, "graças à força de atração das
necessidades profundamente sentidas". É certo que, deslocando-se por esta
forma, para a criança e para os seus interesses, móveis e transitórios, a fonte
de inspiração das atividades escolares, quebra-se a ordem que apresentavam os
programas tradicionais, do ponto de vista da lógica formal dos adultos, para os
pôr de acordo com a "lógica psicológica", isto é, com a lógica que se
baseia na natureza e no funcionamento do espírito infantil.
Mas, para que a escola possa fornecer aos "impulsos interiores a ocasião e
o meio de realizar-se", e abrir ao educando à sua energia de observar,
experimentar e criar todas as atividades capazes de satisfazê-la, é preciso que
ela seja reorganizada como um "mundo natural e social embrionário",
um ambiente dinâmico em íntima conexão com a região e a comunidade. A escola
que tem sido um aparelho formal e rígido, sem diferenciação regional,
inteiramente desintegrado em relação ao meio social, passará a ser um organismo
vivo, com uma estrutura social, organizada à maneira de uma comunidade
palpitante pelas soluções de seus problemas. Mas, se a escola deve ser uma
comunidade em miniatura, e se em toda a comunidade as atividades manuais,
motoras ou construtoras "constituem as funções predominantes da
vida", é natural que ela inicie os alunos nessas atividades, pondo-os em contato
com o ambiente e com a vida ativa que os rodeia, para que eles possam, desta
forma, possuí-la, apreciá-la e senti-la de acordo com as aptidões e
possibilidades. "A vida da sociedade, observou Paulsen, se modifica em
função da sua economia, e a energia individual e coletiva se manifesta pela sua
produção material". A escola nova, que tem de obedecer a esta lei, deve
ser reorganizada de maneira que o trabalho seja seu elemento formador,
favorecendo a expansão das energias criadoras do educando, procurando estimular-lhe
o próprio esforço como o elemento mais eficiente em sua educação e
preparando-o, com o trabalho em grupos e todas as atividades pedagógicas e
sociais, para fazê-lo penetrar na corrente do progresso material e espiritual
da sociedade de que proveio e em que vai viver e lutar.
PLANO DE
RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL
a) As linhas gerais do plano
Ora, assentada a finalidade da educação e definidos os meios de ação ou
processos de que necessita o indivíduo para o seu desenvolvimento integral,
ficam fixados os princípios científicos sobre os quais se pode apoiar
solidamente um sistema de educação. A aplicação desses princípios importa, como
se vê, numa radical transformação da educação pública em todos os seus graus,
tanto à luz do novo conceito de educação, como à vista das necessidades
nacionais. No plano de reconstrução educacional, de que se esboçam aqui apenas
as suas grandes linhas gerais, procuramos, antes de tudo, corrigir o erro
capital que apresenta o atual sistema (se é que se pode chamar sistema), caracterizado
pela falta de continuidade e articulação do ensino, em seus diversos graus,
como se não fossem etapas de um mesmo processo, e cada um dos quais deve ter o
seu "fim particular", próprio, dentro da "unidade do fim geral
da educação" e dos princípios e métodos comuns a todos os graus e
instituições educativas. De fato, o divorcio entre as entidades que mantêm o
ensino primário e profissional e as que mantêm o ensino secundário e superior,
vai concorrendo insensivelmente, como já observou um dos signatários deste
manifesto, "para que se estabeleçam no Brasil, dois sistemas escolares
paralelos, fechados em compartimentos estanques e incomunicáveis, diferentes
nos seus objetivos culturais e sociais, e, por isto mesmo, instrumentos de
estratificação social".
A escola primária que se estende sobre as instituições das escolas maternais e
dos jardins de infância e constitui o problema fundamental das democracias,
deve, pois, articular-se rigorosamente com a educação secundária unificada, que
lhe sucede, em terceiro plano, para abrir acesso às escolas ou institutos
superiores de especialização profissional ou de altos estudos. Ao espírito novo
que já se apoderou do ensino primário não se poderia, porém, subtrair a escola
secundária, em que se apresentam, colocadas no mesmo nível, a educação chamada
"profissional" (de preferência manual ou mecânica) e a educação
humanística ou científica (de preponderância intelectual), sobre uma base comum
de três anos. A escola secundária deixará de ser assim a velha escola de
"um grupo social", destinada a adaptar todas as inteligências a uma
forma rígida de educação, para ser um aparelho flexível e vivo, organizado para
ministrar a cultura geral e satisfazer às necessidades práticas de adaptação à
variedade dos grupos sociais. É o mesmo princípio que faz alargar o campo
educativo das Universidades, em que, ao lado das escolas destinadas ao preparo
para as profissões chamadas "liberais", se devem introduzir, no
sistema, as escolas de cultura especializada, para as profissões industriais e
mercantis, propulsoras de nossa riqueza econômica e industrial. Mas esse
princípio, dilatando o campo das universidades, para adaptá-las à variedade e
às necessidades dos grupos sociais, tão longe está de lhes restringir a função
cultural que tende a elevar constantemente as escolas de formação profissional,
achegando-as às suas próprias fontes de renovação e agrupando-as em torno dos
grandes núcleos de criação livre, de pesquisa científica e de cultura
desinteressada. A instrução pública não tem sido, entre nós, na justa
observação de Alberto Torres, senão um "sistema de canais de êxodo da
mocidade do campo para as cidades e da produção para o parasitismo". É
preciso, para reagir contra esses males, já tão lucidamente apontados, pôr em
via de solução o problema educacional das massas rurais e do elemento
trabalhador da cidade e dos centros industriais já pela extensão da escola do
trabalho educativo e da escola do trabalho profissional, baseada no exercício
normal do trabalho em cooperação, já pela adaptação crescente dessas escolas
(primária e secundária profissional) às necessidades regionais e às profissões
e indústrias dominantes no meio. A nova política educacional rompendo, de um
lado, contra a formação excessivamente literária de nossa cultura, para lhe dar
um caráter científico e técnico, e contra esse espírito de desintegração da
escola, em relação ao meio social, impõe reformas profundas, orientadas no
sentido da produção e procura reforçar, por todos os meios, a intenção e o
valor social da escola, sem negar a arte, a literatura e os valores culturais.
A arte e a literatura tem efetivamente uma significação social, profunda e
múltipla; a aproximação dos homens, a sua
organização em uma coletividade unânime, a difusão de tais ou quais idéias
sociais, de uma maneira "imaginada", e, portanto, eficaz, a extensão
do raio visual do homem e o valor moral e educativo conferem certamente à arte
uma enorme importância social. Mas, se, à medida que a riqueza do homem
aumenta, o alimento ocupa um lugar cada vez mais fraco, os produtores
intelectuais não passam para o primeiro plano senão quando as sociedades se
organizam em sólidas bases econômicas.
b) O ponto nevrálgico da questão
A estrutura do plano educacional corresponde, na hierarquia de suas instituições
escolares (escola infantil ou pré-primária; primária; secundária e superior ou
universitária) aos quatro grandes períodos que apresenta o desenvolvimento
natural do ser humano. É uma reforma integral da organização e dos métodos de
toda a educação nacional, dentro do mesmo espírito que substitui o conceito
estático do ensino por um conceito dinâmico, fazendo um apelo, dos jardins de
infância à Universidade, não à receptividade mas à atividade criadora do aluno.
A partir da escola infantil (4 a 6 anos) à Universidade, com escala pela
educação primária (7 a 12) e pela secundária (l2 a 18 anos), a
"continuação ininterrupta de esforços criadores" deve levar à
formação da personalidade integral do aluno e ao desenvolvimento de sua
faculdade produtora e de seu poder criador, pela aplicação, na escola, para a
aquisição ativa de conhecimentos, dos mesmos métodos (observação, pesquisa, e
experiência), que segue o espírito maduro, nas investigações científicas. A
escola secundária, unificada para se evitar o divórcio entre os trabalhadores
manuais e intelectuais, terá uma sólida base comum de cultura geral (3 anos),
para a posterior bifurcação (dos 15 aos 18), em seção de preponderância
intelectual (com os 3 ciclos de humanidades modernas; ciências físicas e matemáticas;
e ciências químicas e biológicas), e em seção de preferência manual, ramificada
por sua vez, em ciclos, escolas ou cursos destinados à preparação às atividades
profissionais, decorrentes da extração de matérias primas (escolas agrícolas,
de mineração e de pesca) da elaboração das matérias primas (industriais e
profissionais) e da distribuição dos produtos elaborados (transportes,
comunicações e comércio).
Mas, montada, na sua estrutura tradicional, para a classe média (burguesia),
enquanto a escola primária servia à classe popular, como se tivesse uma
finalidade em si mesma, a escola secundária ou do 3º grau não forma apenas o
reduto dos interesses de classe, que criaram e mantêm o dualismo dos sistemas
escolares. É ainda nesse campo educativo que se levanta a controvérsia sobre o
sentido de cultura geral e se põe o problema relativo à escolha do momento em
que a matéria do ensino deve diversificar-se em ramos iniciais de
especialização. Não admira, por isto, que a escola secundária seja, nas reformas
escolares, o ponto nevrálgico da questão. Ora, a solução dada, neste plano, ao
problema do ensino secundário, levantando os obstáculos opostos pela escola
tradicional à interpenetração das classes sociais, se inspira na necessidade de
adaptar essa educação à diversidade nascente de gostos e à variedade crescente
de aptidões que a observação psicológica regista nos adolescentes e que
"representam as únicas forças capazes de arrastar o espírito dos jovens à
cultura superior". A escola do passado, com seu esforço inútil de abarcar
a soma geral de conhecimentos, descurou a própria formação do espírito e a
função que lhe cabia de conduzir o adolescente ao limiar das profissões e da
vida. Sobre a base de uma cultura geral comum, em que importará menos a quantidade
ou qualidade das matérias do que o "método de sua aquisição", a
escola moderna estabelece para isto, depois dos 15 anos, o ponto em que o
ensino se diversifica, para se adaptar já à diversidade crescente de aptidões e
de gostos, já à variedade de formas de atividade social.
c) O conceito moderno de Universidade e o problema universitário no Brasil
A educação superior que tem estado, no Brasil, exclusivamente a serviço das
profissões "liberais" (engenharia, medicina e direito), não pode
evidentemente erigir-se à altura de uma educação universitária, sem alargar
para horizontes científicos e culturais a sua finalidade estritamente
profissional e sem abrir os seus quadros rígidos à formação de todas as
profissões que exijam conhecimentos científicos, elevando-as a todas a nível
superior e
tornando-se, pela flexibilidade de sua organização, acessível a todas. Ao lado
das faculdades profissionais existentes, reorganizadas em novas bases, impõe-se
a criação simultânea ou sucessiva, em cada quadro universitário, de faculdades
de ciências sociais e econômicas; de ciências matemáticas, físicas e naturais,
e de filosofia e letras que, atendendo à variedade de tipos mentais e das
necessidades sociais, deverão abrir às universidades que se criarem ou se
reorganizarem, um campo cada vez mais vasto de investigações científicas. A
educação superior ou universitária, a partir dos 18 anos, inteiramente gratuita
como as demais, deve tender, de fato, não somente à formação profissional e
técnica, no seu máximo desenvolvimento, como à formação de pesquisadores, em
todos os ramos de conhecimentos humanos. Ela deve ser organizada de maneira que
possa desempenhar a tríplice função que lhe cabe de elaboradora ou criadora de
ciência (investigação), docente ou transmissora de conhecimentos (ciência
feita) e de vulgarizadora ou popularizadora, pelas instituições de extensão
universitária, das ciências e das artes.
No entanto, com ser a pesquisa, na expressão de Coulter, o "sistema
nervoso da Universidade", que estimula e domina qualquer outra função; com
ser esse espírito de profundidade e universalidade, que imprime à educação
superior um caráter universitário, pondo-a em condições de contribuir para o
aperfeiçoamento constante do saber humano, a nossa educação superior nunca
ultrapassou os limites e as ambições de formação profissional, a que se propõem
as escolas de engenharia, de medicina e direito. Nessas instituições,
organizadas antes para uma função docente, a ciência está inteiramente
subordinada à arte ou à técnica da profissão a que servem, com o cuidado da
aplicação imediata e próxima, de uma direção utilitária em vista de uma função
pública ou de uma carreira privada. Ora, se, entre nós, vingam facilmente todas
as fórmulas e frases feitas; se a nossa ilustração, mais variada e mais vasta
do que no império, é hoje, na frase de Alberto Torres, "mais vaga, fluida,
sem assento, incapaz de habilitar os espíritos a formar juízos e incapaz de
lhes inspirar atos", é porque a nossa geração, além de perder a base de
uma educação secundária sólida, posto que exclusivamente literária, se deixou
infiltrar desse espírito enciclopédico em que o pensamento ganha em extensão o
que perde em profundidade; em que da observação e da experiência, em que devia
exercitar-se, se deslocou o pensamento para o hedonismo intelectual e para a
ciência feita, e em que, finalmente, o período criador cede o lugar à erudição,
e essa mesma quase sempre, entre nós, aparente e sem substância, dissimulando
sob a superfície, às vezes brilhante, a absoluta falta de solidez de
conhecimentos.
Nessa superficialidade de cultura, fácil e apressada, de autodidatas, cujas
opiniões se mantêm prisioneiras de sistemas ou se matizam das tonalidades das
mais variadas doutrinas, se tem de buscar as causas profundas da estreiteza e
da flutuação dos espíritos e da indisciplina mental, quase anárquica, que
revelamos em face de todos os problemas. Nem a primeira geração nascida com a
república, no seu esforço heróico para adquirir a posse de si mesma,
elevando-se acima de seu meio, conseguiu libertar-se de todos os males
educativos de que se viciou a sua formação. A organização de Universidades é,
pois, tanto mais necessária e urgente quanto mais pensarmos que só com essas
instituições, a que cabe criar e difundir ideais políticos, sociais, morais e
estéticos, é que podemos obter esse intensivo espírito comum, nas aspirações,
nos ideais e nas lutas, esse "estado de ânimo nacional", capaz de dar
força, eficácia e coerência à ação dos homens, sejam quais forem as
divergências que possa estabelecer entre eles a diversidade de pontos de vista
na solução dos problemas brasileiros. É a universidade, no conjunto de suas
instituições de alta cultura, prepostas ao estudo científico dos grandes
problemas nacionais, que nos dará os meios de combater a facilidade de tudo
admitir; o ceticismo de nada escolher nem julgar; a falta de crítica, por falta
de espírito de síntese; a indiferença ou a neutralidade no terreno das idéias;
a ignorância "da mais humana de todas as operações intelectuais, que é a
de tomar partido", e a tendência e o espírito fácil de substituir os
princípios (ainda que provisórios) pelo paradoxo e pelo humor, esses recursos
desesperados.
d) O problema dos melhores
De fato, a Universidade, que se encontra no ápice de todas as instituições
educativas, está destinada, nas sociedades modernas a desenvolver um papel cada
vez mais importante na formação das elites de pensadores, sábios, cientistas,
técnicos, e educadores, de que elas precisam para o estudo e solução de suas
questões científicas, morais, intelectuais, políticas e econômicas. Se o
problema fundamental das democracias é a educação das massas populares, os
melhores e os mais capazes, por seleção, devem formar o vértice de uma pirâmide
de base imensa. Certamente, o novo conceito de educação repele as elites
formadas artificialmente "por diferenciação econômica" ou sob o
critério da independência econômica, que não é nem pode ser hoje elemento
necessário para fazer parte delas. A primeira condição para que uma elite desempenhe
a sua missão e cumpra o seu dever é de ser "inteiramente aberta" e
não somente de admitir todas as capacidades novas, como também de rejeitar
implacavelmente de seu seio todos os indivíduos que não desempenham a função
social que lhes é atribuída no interesse da coletividade. Mas, não há sociedade
alguma que possa prescindir desse órgão especial e tanto mais perfeitas serão
as sociedades quanto mais pesquisada e selecionada for a sua elite, quanto
maior for a riqueza e a variedade de homens, de valor cultural substantivo,
necessários para enfrentar a variedade dos problemas que põe a complexidade das
sociedades modernas. Essa seleção que se deve processar não "por
diferenciação econômica", mas "pela diferenciação de todas as
capacidades", favorecida pela educação, mediante a ação biológica e
funcional, não pode, não diremos completar-se, mas nem sequer realizar-se senão
pela obra universitária que, elevando ao máximo o desenvolvimento dos
indivíduos dentro de suas aptidões naturais e selecionando os mais capazes,
lhes dá bastante força para exercer influência efetiva na sociedade e afetar,
dessa forma, a consciência social.
A UNIDADE DE
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A UNIDADE DE ESPÍRITO
Ora, dessa elite deve fazer parte evidentemente o professorado de todos
os graus, ao qual, escolhido como sendo um corpo de eleição, para uma função
pública da mais alta importância, não se dá, nem nunca se deu no Brasil, a
educação que uma elite pode e deve receber. A maior parte dele, entre nós, é
recrutada em todas as carreiras, sem qualquer preparação profissional, como os
professores do ensino secundário e os do ensino superior (engenharia, medicina,
direito, etc.), entre os profissionais dessas carreiras, que receberam, uns e
outros, do secundário a sua educação geral. O magistério primário, preparado em
escolas especiais (escolas normais), de caráter mais propedêutico, e, as vezes
misto, com seus cursos geral e de especialização profissional, não recebe, por
via de regra, nesses estabelecimentos, de nível secundário, nem uma sólida
preparação pedagógica, nem a educação geral em que ela deve basear-se. A
preparação dos professores, como se vê, é tratada entre nós, de maneira
diferente, quando não é inteiramente descuidada, como se a função educacional,
de todas as funções públicas a mais importante, fosse a única para cujo
exercício não houvesse necessidade de qualquer preparação profissional. Todos
os professores, de todos os graus, cuja preparação geral se adquirirá nos
estabelecimentos de ensino secundário, devem, no entanto, formar o seu espírito
pedagógico, conjuntamente, nos cursos universitários, em faculdades ou escolas
normais, elevadas ao nível superior e incorporadas às universidades. A tradição
das hierarquias docentes, baseadas na diferenciação dos graus de ensino, e que
a linguagem fixou em denominações diferentes (mestre, professor e catedrático),
é inteiramente contrária ao princípio da unidade da função educacional, que,
aplicado, às funções docentes, importa na incorporação dos estudos do
magistério às universidades, e, portanto, na libertação espiritual e econômica
do professor, mediante uma formação e remuneração equivalentes que lhe permitam
manter, com a eficiência no trabalho, a dignidade e o prestígio indispensáveis
aos educadores.
A formação universitária dos professores não é somente uma necessidade da
função educativa, mas o único meio de, elevando-lhes em verticalidade a
cultura, e abrindo-lhes a vida sobre todos os horizontes, estabelecer, entre
todos, para a realização da obra educacional, uma compreensão recíproca, uma
vida sentimental comum e um vigoroso espírito comum nas aspirações e nos
ideais. Se o estado cultural dos adultos é que dá as
diretrizes à formação da mocidade, não se poderá estabelecer uma função e
educação unitária da mocidade, sem que haja unidade cultural naqueles que estão
incumbidos de transmití-la. Nós não temos o feiticismo mas o princípio da
unidade, que reconhecemos não ser possível senão quando se criou esse
"espírito", esse "ideal comum", pela unificação, para todos
os graus do ensino, da formação do magistério, que elevaria o valor dos
estudos, em todos os graus, imprimiria mais lógica e harmonia às instituições,
e corrigiria, tanto quanto humanamente possível, as injustiças da situação
atual. Os professores de ensino primário e secundário, assim formados, em
escolas ou cursos universitários, sobre a base de uma educação geral comum,
dada em estabelecimentos de educação secundária, não fariam senão um só corpo
com os do ensino superior, preparando a fusão sincera e cordial de todas as
forças vivas do magistério. Entre os diversos graus do ensino, que guardariam a
sua função específica, se estabeleceriam contatos estreitos que permitiriam as
passagens de um ao outro nos momentos precisos, descobrindo as superioridade em
gérmen, pondo-as em destaque e assegurando, de um ponto a outro dos estudos, a
unidade do espírito sobre a base da unidade de formação dos professores.
O PAPEL DA ESCOLA
NA VIDA E A SUA FUNÇÃO SOCIAL
Mas, ao mesmo tempo que os progressos da psicologia aplicada à criança
começaram a dar à educação bases científicas, os estudos sociológicos,
definindo a posição da escola em face da vida, nos trouxeram uma consciência
mais nítida da sua função social e da estreiteza relativa de seu círculo de
ação. Compreende-se, à luz desses estudos, que a escola, campo específico de
educação, não é um elemento estranho à sociedade humana, um elemento separado,
mas "uma instituição social", um órgão feliz e vivo, no conjunto das
instituições necessárias à vida, o lugar onde vivem a criança, a adolescência e
a mocidade, de conformidade com os interesses e as alegrias profundas de sua
natureza. A educação, porém, não se faz somente pela escola, cuja ação é
favorecida ou contrariada, ampliada ou reduzida pelo jogo de forças inumeráveis
que concorrem ao movimento das sociedades modernas. Numerosas e variadíssimas,
são, de fato, as influências que formam o homem através da existência. "Há
a herança que a escola da espécie, como já se escreveu; a família que é a
escola dos pais; o ambiente social que é a escola da comunidade, e a maior de
todas as escolas, a vida, com todos os seus imponderáveis e forças
incalculáveis". Compreender, então, para empregar a imagem de C. Bouglé,
que, na sociedade, a "zona luminosa é singularmente mais estreita que a
zona de sombra; os pequenos focos de ação consciente que são as escolas, não
são senão pontos na noite, e a noite que as cerca não é vazia, mas cheia e
tanto mais inquietante; não é o silêncio e a imobilidade do deserto, mas o
frêmito de uma floresta povoada".
Dessa concepção positiva da escola, como uma instituição social, limitada, na
sua ação educativa, pela pluralidade e diversidade das forças que concorrem ao
movimento das sociedades, resulta a necessidade de reorganizá-la, como um
organismo maleável e vivo, aparelhado de um sistema de instituições
susceptíveis de lhe alargar os limites e o raio de ação. As instituições
periescolares e postescolares, de caráter educativo ou de assistência social,
devem ser incorporadas em todos os sistemas de organização escolar para
corrigirem essa insuficiência social, cada vez maior, das instituições
educacionais. Essas instituições de educação e cultura, dos jardins de infância
às escolas superiores, não exercem a ação intensa, larga e fecunda que são
chamadas a desenvolver e não podem exercer senão por esse conjunto sistemático
de medidas de projeção social da obra educativa além dos muros escolares. Cada
escola, seja qual for o seu grau, dos jardins às universidades, deve, pois,
reunir em tomo de si as famílias dos alunos, estimulando e aproveitando as
iniciativas dos pais em favor da educação; constituindo sociedades de ex-alunos
que mantenham relação constante com as escolas; utilizando, em seu proveito, os
valiosos e múltiplos elementos materiais e espirituais da coletividade e
despertando e desenvolvendo o poder de iniciativa e o espírito de cooperação
social entre os pais, os professores, a imprensa e todas as demais instituições
diretamente interessadas na obra da educação.
Pois, é impossível realizar-se em intensidade e extensão, uma sólida obra
educacional, sem se rasgarem à escola aberturas no maior numero possível de
direções e sem se multiplicarem os pontos de apoio de que ela precisa, para se
desenvolver, recorrendo a comunidade como à fonte que lhes há de proporcionar
todos os elementos necessários para elevar as condições materiais e espirituais
das escolas. A consciência do verdadeiro papel da escola na sociedade impõe o
dever de concentrar a ofensiva educacional sobre os núcleos sociais, como a
família, os agrupamentos profissionais e a imprensa, para que o esforço da
escola se possa realizar em convergência, numa obra solidária, com as outras
instituições da comunidade. Mas, além de atrair para a obra comum as
instituições que são destinadas, no sistema social geral, a fortificar-se
mutuamente, a escola deve utilizar, em seu proveito, com a maior amplitude
possível, todos os recursos formidáveis, como a imprensa, o disco, o cinema e o
rádio, com que a ciência, multiplicando-lhe a eficácia, acudiu à obra de
educação e cultura e que assumem, em face das condições geográficas e da
extensão territorial do país, uma importância capital. À escola antiga,
presumida da importância do seu papel e fechada no seu exclusivismo acanhado e
estéril, sem o indispensável complemento e concurso de todas as outras
instituições sociais, se sucederá a escola moderna aparelhada de todos os
recursos para estender e fecundar a sua ação na solidariedade com o meio
social, em que então, e só então, se tornará capaz de influir, transformando-se
num centro poderoso de criação, atração e irradiação de todas as forças e
atividades educativas.
A DEMOCRACIA, - UM
PROGRAMA DE LONGOS DEVERES
Não alimentamos, de certo, ilusões sobre as dificuldades de toda a ordem
que apresenta um plano de reconstrução educacional de tão grande alcance e de
tão vastas proporções. Mas, temos, com a consciência profunda de uma por uma
dessas dificuldades, a disposição obstinada de enfrentá-las, dispostos, como
estamos, na defesa de nossos ideais educacionais, para as existências mais
agitadas, mais rudes e mais fecundas em realidades, que um homem tenha vivido
desde que há homens, aspirações e lutas. O próprio espírito que o informa de
uma nova política educacional, com sentido unitário e de bases científicas, e
que seria, em outros países, a maior fonte de seu prestígio, tornará esse plano
suspeito aos olhos dos que, sob o pretexto e em nome do nacionalismo, persistem
em manter a educação, no terreno de uma política empírica, à margem das
correntes renovadoras de seu tempo. De mais, se os problemas de educação devem
ser resolvidos de maneira científica, e se a ciência não tem pátria, nem varia,
nos seus princípios, com os climas e as latitudes, a obra de educação deve ter,
em toda a parte, uma "unidade fundamental", dentro da variedade de
sistemas resultantes da adaptação a novos ambientes dessas idéias e aspirações
que, sendo estruturalmente científicas e humanas, têm um caráter universal. É
preciso, certamente, tempo para que as camadas mais profundas do magistério e
da sociedade em geral sejam tocadas pelas doutrinas novas e seja esse contato
bastante penetrante e fecundo para lhe modificar os pontos de vista e as
atitudes em face do problema educacional, e para nos permitir as conquistas em
globo ou por partes de todas as grandes aspirações que constituem a substância
de uma nova política de educação.
Os obstáculos acumulados, porém, não nos abateram ainda nem poderão abater-nos
a resolução firme de trabalhar pela reconstrução educacional no Brasil. Nós
temos uma missão a cumprir: insensíveis à indiferença e à hostilidade, em luta
aberta contra preconceitos e prevenções enraizadas, caminharemos
progressivamente para o termo de nossa tarefa, sem abandonarmos o terreno das
realidades, mas sem perdermos de vista os nossos ideais de reconstrução do
Brasil, na base de uma educação inteiramente nova. A hora crítica e decisiva
que vivemos, não nos permite hesitar um momento diante da tremenda tarefa que
nos impõe a consciência, cada vez mais viva da necessidade de nos prepararmos
para enfrentarmos com o evangelho da nova geração, a complexidade trágica dos
problemas postos pelas sociedades modernas. "Não devemos submeter o nosso
espírito. Devemos, antes de tudo proporcionar-nos um espírito firme e seguro;
chegar a ser sérios em todas as coisas, e não continuar a viver frivolamente e
como envoltos em bruma;
devemos formar-nos princípios fixos e inabaláveis que sirvam para regular, de
um modo firme, todos os nossos pensamentos e todas as nossas ações; vida e
pensamento devem ser em nós outros de uma só peça e formar um todo penetrante e
sólido. Devemos, em uma palavra, adquirir um caráter, e refletir, pelo
movimento de nossas próprias idéias, sobre os grandes acontecimentos de nossos
dias, sua relação conosco e o que podemos esperar deles. É preciso formar uma
opinião clara e penetrante e responder a esses problemas sim ou não de um modo
decidido e inabalável".
Essas palavras tão oportunas, que agora lembramos, escreveu-as Fichte há mais
de um século, apontando à Alemanha, depois da derrota de Iena, o caminho de sua
salvação pela obra educacional, em um daqueles famosos "discursos à nação
alemã", pronunciados de sua cátedra, enquanto sob as janelas da
Universidade, pelas ruas de Berlim, ressoavam os tambores franceses... Não são,
de fato, senão as fortes convicções e a plena posse de si mesmos que fazem os
grandes homens e os grandes povos. Toda a profunda renovação dos princípios que
orientam a marcha dos povos precisa acompanhar-se de fundas transformações no
regime educacional: as únicas revoluções fecundas são as que se fazem ou se
consolidam pela educação, e é só pela educação que a doutrina democrática,
utilizada como um princípio de desagregação moral e de indisciplina, poderá
transformar-se numa fonte de esforço moral, de energia criadora, de
solidariedade social e de espírito de cooperação. "O ideal da democracia
que, - escrevia Gustave Belot em 1919, - parecia mecanismo político, torna-se
princípio de vida moral e social, e o que parecia coisa feita e realizada
revelou-se como um caminho a seguir e como um programa de longos deveres".
Mas, de todos os deveres que incumbem ao Estado, o que exige maior capacidade
de dedicação e justifica maior soma de sacrifícios; aquele com que não é
possível transigir sem a perda irreparável de algumas gerações; aquele em cujo
cumprimento os erros praticados se projetam mais longe nas suas conseqüências,
agravando-se à medida que recuam no tempo; o dever mais alto, mais penoso e
mais grave é, de certo, o da educação que, dando ao povo a consciência de si
mesmo e de seus destinos e a força para afirmar-se e realizá-los, entretém,
cultiva e perpetua a identidade da consciência nacional, na sua comunhão íntima
com a consciência humana.
Fernando de Azevedo
Afranio Peixoto
A. de Sampaio Doria
Anisio Spinola Teixeira
M. Bergstrom Lourenço Filho
Roquette Pinto
J. G. Frota Pessôa
Julio de Mesquita Filho
Raul Briquet
Mario Casassanta
C. Delgado de Carvalho
A. Ferreira de Almeida Jr.
J. P. Fontenelle
Roldão Lopes de Barros
Noemy M. da Silveira
Hermes Lima
Attilio Vivacqua
Francisco Venancio Filho
Paulo Maranhão
Cecilia Meirelles
Edgar Sussekind de Mendonça
Armanda Alvaro Alberto
Garcia de Rezende
Nobrega da Cunha
Paschoal Lemme
Raul Gomes.